A saúde mental dos pastores e líderes religiosos tem se tornado uma preocupação crescente no meio evangélico. Acostumados a cuidar das necessidades espirituais e emocionais de suas congregações, muitos desses líderes acabam negligenciando o próprio bem-estar psicológico.
Em entrevista ao Guiame, Cesar Motta Rios, especialista em Teologia e Ministério Pastoral, destacou os desafios enfrentados por esses líderes, que enfrentam diariamente pressões internas e externas, desde a expectativa de corresponder ao que se espera deles até a sobrecarga de trabalho.
Casado com Regina e pai de Júlia (11 anos) e Sara (7 anos), Rios ressalta que, apesar dos avanços, ainda há resistência por parte dos pastores em buscar ajuda psicológica, muitas vezes por medo de serem vistos como frágeis ou por causa de preconceitos religiosos.
Pastor Cesar Motta Rios e família. (Foto: Arquivo pessoal)
A idealização da figura pastoral como alguém imune a falhas ou fraquezas é um dos maiores obstáculos para a busca de auxílio, afirma o pastor, que defende a importância de uma abordagem integrada entre fé e saúde mental.
Com uma formação robusta em Letras (Espanhol) pela UFMG, além de ser bacharel em Grego, mestre em Estudos Clássicos e doutor em Literaturas Clássicas e Medievais, Rios lidera a Congregação Evangélica Luterana de Miguel Pereira, no Rio de Janeiro.
Como extensão virtual de seu ministério, o pastor de 42 anos tem utilizado a internet, com atuação frequente no YouTube (@CesarMottaRios), com o propósito missionário e de formação cristã.
Em sua conversa com o portal Guiame, Rios, que também é pós-doutor na área de Filosofia Antiga e bacharel em Teologia pela ULBRA, respondeu aos seguintes questionamentos:
Guiame: O que mais contribui para o surgimento de problemas de saúde emocional em pastores e líderes de igreja?
Cesar Motta Rios: É importante reconhecermos que pessoas em geral, independente de sua ocupação, podem desenvolver problemas de saúde emocional. Não é uma exclusividade de um ou outro grupo.
Agora, de fato, temos notícias de uma incidência muito grande de sofrimento mental entre pessoas que ocupam o ministério pastoral. Logo, nós nos perguntamos pelo motivo. Gosto de lembrar, de início, que não podemos descartar a possibilidade de que muitos pastores tenham transtornos mentais enquanto exercem o Ministério, mas não necessariamente por causa do Ministério. Alguns podem, inclusive, viver essa batalha (com diagnóstico ou não) desde antes de sua ordenação. Por sinal, lembro de ter lido há muitos anos no muito conhecido livro de Paul Tournier, Culpa e Graça, que “aquele que tem grandes dificuldades psicológicas pessoais, revela em si mesmo um vivo interesse por problemas humanos, o que o orienta em direção a uma carreira de psiquiatria ou no campo eclesiástico”. Se isso é assim, mesmo que haja proporcionalmente mais casos de sofrimento mental entre pastores, pode ser que isso não se deva somente ao exercício do Ministério. Parece-me que são necessárias mais pesquisas que considerem esse fator.
G.: Mas o exercício ministerial também pode acarretar sofrimentos à saúde mental…
C.M.R.: Reconheço que há aspectos da vivência do ministério que podem levar ao sofrimento mental, servir de gatilho ou agravar situações.
Certamente, nem todos esses aspectos se dão de forma semelhante em todos os grupos protestantes.
Em algumas tradições protestantes, por exemplo, é normal que o pastor resida longe de seu lugar de origem. Ele é enviado pela Igreja a uma região antes desconhecida para ele e sua família restrita. Nesse caso, morar a centenas de quilômetros de pais, irmãos e antigos amigos pode ser um desafio considerável. Nem sempre novos laços de afeto e confiança se estabelecem rapidamente.
Outra variação entre diferentes tradições está no fato de que, em algumas, é relativamente comum que o ministro seja “bi vocacionado”. Nesse caso, o pastor tem outra profissão, que costuma ocupar boa parte de seu tempo durante a semana. Um desafio enorme é, então, conciliar as duas vocações e, ainda ter tempo para a família. Diferentemente, algumas tradições têm como mais comum que o pastor atue como que em regime de dedicação exclusiva. Isso parece lhe dar, em princípio, alguma tranquilidade mais quanto à administração do tempo, e à disponibilidade para encontros e aconselhamentos, por exemplo. Por outro lado, esse pastor costuma ter seu sustento provido somente pela igreja, não havendo para ele recursos em caso de escassez na congregação. Obviamente, temos aí outra possível fonte de preocupação e estresse. Além do mais, em algumas tradições, é comum que esse pastor em tempo integral atenda mais de uma congregação, frequentemente, três, quatro ou cinco, com distâncias consideráveis entre elas. Isso faz com que ele também tenha um sério dilema com a questão do tempo.
Lembro dessas diferenças para observar que não é fácil tratar com detalhes da realidade de todos os pastores. Contudo, é certo que há alguns fatores de dificuldade compartilhados por muitos: uma visão idealizada da figura do pastor, por parte dele mesmo e da congregação; o trabalho frequente com sofrimentos variados de muitas pessoas; dificuldades de relacionamentos com um ou outro membro ou com uma ou outra família da congregação; falta de resultados visíveis de seu trabalho; comparações constantes; em alguns casos, tensão com a estrutura denominacional/sinodal.
Esses e outros dilemas podem ocupar o coração de um pastor, favorecendo uma situação de sofrimento.
G.: Quais são os desafios mais atuais que geram sofrimento mental para os pastores? O que mudou nos últimos anos?
C.M.R.: Percebo que há, sim, pressões mais próprias de nosso tempo (ou, pelo menos, das últimas duas ou três décadas). Destaco quatro que me parecem muito comuns: repercussões da polarização política; mercantilização da Igreja; concorrência por números e por atualização; a falta de compromisso e de vínculos sólidos em uma sociedade líquida.
G.: Não se imagina comumente que pastores enfrentam pressões relacionadas a aspectos políticos…
C.M.R.: Nos últimos anos, a polarização política tem afetado inegavelmente o dia a dia dos pastores. Por um lado, muitos se permitiram um envolvimento muito grande nos debates políticos, de modo que passaram a dedicar um bom tempo de sua rotina para se engajarem em discussões e ataques completamente alheios ao âmbito teológico e pastoral. Esse envolvimento faz com que alguns percam o foco. Também, promove inimizades e inquietações. Por outro lado, mesmo quando um pastor procura se manter mais distante de radicalismos, tentando promover a paz e a ponderação, pode ser acusado por pessoas próximas, as quais gostariam de ver da parte do líder um apoio enfático a um ou outro lado. Nesse caso, o pastor costuma ser acusado de covardia ou omissão, sendo cobrado como se fosse parte de sua missão tornar-se um influenciador político partidário. A polarização nesse campo se fez, portanto, um dilema de difícil solução, com um grande potencial de perturbação da paz.
G.: E isso se soma a muitas outras “novas” atividades pastorais da atualidade, certo?
C.M.R.: Sim, os pastores passaram a lidar cada vez mais com uma mentalidade empresarial que ganha espaço em muitas igrejas. Antigamente, o pastor se preocupava primordialmente com o pastoreio do rebanho, com o ensino, com o aconselhamento, com batismo e santa ceia. Agora, muitos pastores parecem assumir o lugar de administradores de negócios e, ao mesmo tempo, de pequenas celebridades de nicho, de influenciadores do meio evangélico.
G.: Mas tudo isso acaba se tornando uma carga muito grande para o pastor.
C.M.R.: A carga colocada sobre eles se assemelha, justamente, à de um executivo ou astro do entretenimento, promovendo uma série de novas cobranças e uma angústia quanto à pertinência de suas ações com relação ao seu chamado.
Atrelado a essa mentalidade empresarial, surge o problema da concorrência. Como é comum no Mercado, passa a acontecer nas igrejas uma corrida por números e por uma atualização constante conforme mudam os muitos modismos, que, não raro, são importados com ligeireza do meio evangélico norte-americano. Para fazerem crescer o público, os pastores precisam se preocupar de forma extrema com questões estéticas (desde a própria imagem até a decoração dos ambientes de culto). Se, agora, passaram a colocar telões nas mega igrejas, logo, as igrejas médias começam a se movimentar para terem, pelo menos, algo parecido. E lá está o pastor no meio dessa correria, ansioso por causa da expectativa do seu público-alvo, que pode rapidamente migrar para uma igreja mais “atualizada”. Se mudaram a cor da moda, mais uma vez, é preciso uma pintura. A fachada das igreja mudou, o modo da pregação, o estilo da música, o instrumento, o recurso para pais com crianças pequenas… São incontáveis as preocupações de quem está nessa competição numérica e estética.
Veja que, no meio disso tudo, não mencionei nada relacionado à Palavra, nada relacionado ao que é próprio do trabalho pastoral. Se não coube mencionar isso no parágrafo anterior, será que o pastor-executivo tem mesmo tido tempo para se dedicar seriamente ao ensino e estudo da Palavra? E será que esse desvio de função não deixa a paz ainda mais distante do horizonte dessas pessoas?
G.: Tudo isso, de fato, gera muita pressão.
C.M.R.: Pergunto-me seriamente se os pastores não têm passado por sofrimento mental em alguma medida por não encontrarem a oportunidade de serem exatamente o que deveriam ser, isto é, pastores.
Por fim, algo que afeta muito diretamente pastores que atuam, de fato, como ministros da Palavra: a falta de compromisso comunitário, característica tão forte em nosso tempo. Os pastores precisam pastorear rebanhos com a mesma expectativa que se tinha há trinta anos, de terem uma comunidade coesa, que caminhe por longos anos nutrida pela Palavra de Deus. Contudo, fazem isso em um contexto de aguçada aversão ao compromisso, aos vínculos duráveis. Individualismo exacerbado, egoísmo, irresponsabilidade, hedonismo e descompromisso ganham cada vez mais lugar em nossa sociedade, o que torna difícil a adesão e fidelidade das pessoas a um rebanho, à Igreja, à causa do Evangelho. Essas novas formas de idolatria são fonte de muita frustração em alguns contextos eclesiásticos.
G.: Ainda existe resistência entre pastores em buscar ajuda profissional para questões de saúde mental? Quais são os obstáculos e como superá-los?
C.M.R.: Há algumas décadas, para alguém procurar ajuda de um psicólogo ou psiquiatra, precisava vencer um tabu, enfrentando grande risco de sofrer algum preconceito. Como se sabe, na sociedade em geral, esse quadro mudou muito. É normal que as pessoas falem com mais abertura sobre seus desafios relacionados à saúde mental. Entre pastores, essa mudança também acontece. Porém, ainda há alguns obstáculos.
Em primeiro lugar, está o já mencionado cultivo da imagem do pastor como figura heroica, livre de imperfeições. Nesse ponto, pode ser que até mesmo os pastores contribuam para a dificuldade, ao não negarem com clareza esse imaginário enganoso.
Em segundo lugar, apesar de haver maior acesso ao conhecimento, por exemplo, sobre diferentes linhas da psicologia e psicanálise, permanece em alguns grupos considerável preconceito. Tendo tido notícia sobre um ou outro teórico/profissional dessas áreas que é abertamente ateu, alguém logo passa à generalização, afirmando que esse campo do conhecimento como um todo é inevitavelmente anticristão.
Ainda hoje, há líderes cristãos populares que propagam semelhante visão. Muitos pastores podem ser influenciados diretamente por essas figuras públicas de grande alcance nas redes sociais, ou podem encontrar na opinião de seu rebanho o olhar arredio por elas cultivado. “Como meu pastor pode fazer terapia, se aquele outro pastor famoso disse que é algo demoníaco?”
G.: Como os pastores devem proceder para não ficarem presos a esses julgamentos:
C.M.R.: Uma forma de superar esse desacerto está em um ensino muito importante no tempo da Reforma: a doutrina das vocações. Sabemos que Deus não quis que todos fossem pastores. Para o bem das pessoas em geral, há as mais diversas ocupações no mundo, e muitas vocações não relacionadas com o trabalho da Igreja são extremamente benéficas para o bem do ser humano.
Valorizamos o trabalho de um padeiro, pelo alimento que nos provê para as manhãs. Valorizamos o trabalho de um ortopedista, quando a ele recorremos após uma fratura ou coisa parecida. Reconhecemos que o trabalho desses e de outros profissionais é bênção de Deus.
Certamente, nem todo padeiro faz bem o seu trabalho. É verdade que nem todo pão é bom. Também, nem todo ortopedista acerta. Mas não dizemos que essas ocupações são detestáveis por causa de casos pontuais. Da mesma forma, podemos ver nos profissionais que lidam com a saúde mental uma bênção de Deus para as pessoas. Vidas são salvas por esse trabalho. Famílias em vias de se desmancharem encontram de novo o caminho do diálogo. Pessoas que não conseguiam lidar com o cotidiano passam a ter melhores condições até para ouvirem a Palavra e, assim, crescerem na fé. Se um ou outro psicólogo, psiquiatra ou psicanalista não faz um bom trabalho, não cabe desprezar todos os outros. Muitos deles, por sinal, sendo cristãos, trabalham para o bem do próximo como servindo ao Senhor. E realizam, assim, uma verdadeira boa obra. Essa vocação respeitável pode ser, em alguns casos, tão necessária quanto o pão ou o café para começar bem o dia.
G.: Que tipo de atividades e práticas podem ajudar os pastores a lidarem melhor com as pressões e manterem o equilíbrio emocional?
C.M.R.: Curiosamente, entendo que o passo mais importante não seria acrescentar novas atividades, mas restringi-las um pouco ou colocá-las dentro de um limite, no sentido de recuperar o papel original e saudável do ministério pastoral.
É urgente que pastores possam ser novamente ministros da Palavra e não executivos ou artistas, apresentadores cativantes. No livro de Atos, aprendemos que os apóstolos se viram tão atarefados, que acabaram vendo prejudicada sua dedicação ao ensino. Não deixaram essa situação se perpetuar, mas estabeleceram pessoas que pudessem se ocupar dessas tarefas a mais, para que eles mesmos não perdessem o foco. Congregações e pastores precisam levar esse exemplo a sério. Obviamente, hoje, o que ocupa o tempo do pastor para além da Palavra não é mais o servir mesas. Pode ser a produção de arte para as redes sociais, o ensaio com os músicos, a administração de finanças da igreja etc. Precisamos de um olhar aguçado para diagnósticos sinceros e coragem para mudanças importantes, com o envolvimento dos membros das congregações.
G.: E como os pastores que são dedicados às atividades pastorais devem lidar com as pressões específicas do Ministério?
C.M.R.: Ainda que os pastores sejam realmente pastores, podemos pensar estratégias para lidar com as pressões comuns no Ministério.
A primeira estratégia, pensada para lidar com as consequências da idealização do pastor como herói perfeito, está em afirmarmos a verdade teológica de que somos todos, inclusive pastores, simultaneamente justos e pecadores.
É óbvio que isso não quer dizer que esteja tudo bem que pastores cometam pecados grosseiros e causem escândalos. Casos assim precisam ser tratados com toda seriedade e temor. O ponto é que os pastores, no exercício devido de seu ofício e procurando agir corretamente, também têm limitações, não estando livres de emoções negativas, de equívocos e contradições. Pastores também são completamente carentes da graça de Deus. É bom que deixem isso claro, inclusive, para, com seu exemplo, ensinarem as pessoas a viverem na esperança verdadeira, colocada em Cristo Jesus somente.
Além disso, por conta das pressões por resultados, que podem vir do próprio desejo do pastor, da congregação ou da estrutura maior do sínodo ou denominação, é importante que haja reflexão bíblica e conversas claras sobre o papel do pastor no crescimento da Igreja. As comparações e a vontade (legítima, em princípio) de crescimento podem levar a desentendimentos e julgamentos apressados entre as pessoas, e a crises interiores nas lideranças da Igreja. Compreender que nos cabe testemunhar, comunicar, mas que a conversão de uma pessoa não acontece por força humana é um passo fundamental. Quando confiamos em nós mesmos para algo que cabe somente a Deus, estamos em um caminho certeiro para frustração ou orgulho. E isso (uma coisa ou outra) não condiz com o exercício saudável e o foco certo do Ministério pastoral.
G.: E sobre os relacionamentos interpessoais?
C.M.R.: Com respeito ao relacionamento com membros das congregações, outros pastores e líderes, é sempre necessário voltar ao básico do Caminho cristão. Como pessoas alcançadas pela misericórdia de Deus, devemos cultivar a misericórdia em nossas interações, abrindo mão de rancores e rixas.
É preciso que nós, santos e pecadores, saibamos pedir perdão e perdoar, procurar a reconciliação, valorizar a comunhão. Para isso, devemos praticar a humildade que aprendemos com o exemplo de Cristo (cf. Filipenses 2). Esse precisa ser nosso propósito a cada encontro com o próximo, ainda que não se trate de um exercício fácil para nosso velho coração.
Com ajuda do Espírito Santo, podemos dar passos importantes nesse sentido. E, certamente, o exemplo dos líderes em situações de crise, sendo observado, produzirá mudanças importantes, para que o ambiente eclesiástico não copie os modos do mundo, mas viva no seguimento do Mestre. Isso digo pensando sobretudo no relacionamento com membros das congregações, mas vale, em certa medida, com respeito ao relacionamento com colegas pastores e lideranças da estrutura da denominação ou sínodo. Bons exemplos têm um considerável potencial transformador.
G.: Como um pastor pode entender a psicoterapia como uma ferramenta e um suporte para sua saúde e bem-estar, sem sentir que isso contradiz sua fé?
C.M.R.: Aqui, voltamos à questão da doutrina das vocações. Um pastor precisa recorrer a um oftalmologista, se tem problema de visão. E ele não deixará de recomendar que um membro com o mesmo problema também marque uma consulta. Ele sabe que a vocação do oftalmologista provê um recurso importante para sua vida e para a do próximo. O trabalho desse profissional, inclusive, poderá ajudar o pastor e o membro no sentido de poderem continuar lendo as Escrituras diariamente com tranquilidade. De forma semelhante, o pastor deve compreender que profissionais qualificados e sérios da área da psicoterapia, em dado momento, podem ser um recurso oportuno para ele mesmo e para pessoas de seu rebanho. Um acompanhamento especializado para problemas específicos poderá ser de grande ajuda, inclusive, para que a pessoa, cuidada em seu sofrimento mental, tenha melhores condições de continuar ouvindo a Palavra e sendo aconselhada pelo pastor, para continuar crescendo na graça e no conhecimento de Cristo.
Não é a falta de fé que faz uma pessoa desenvolver presbiopia (aquela dificuldade de ler de perto, que vem com a idade). Não é a falta de fé que faz com que nosso modo de lidar com emoções, sentimentos e pensamentos seja imperfeito, também. É claro que a imperfeição de nossos corpos e de nossa mente nesta vida é decorrência do pecado. Somos assim desde que estamos fora do Éden. Embora perdoados em Cristo, temos que reconhecer e administrar essa imperfeição, aguardando com confiança o dia em que nos veremos completamente livres de todo mal. Enquanto isso, confiamos no cuidado de Deus e, com sabedoria e gratidão, lançamos mão dos recursos que ele nos proveu por meio das variadas vocações na sociedade.
G.: Quais são os sinais de sofrimento psicológico que um pastor deve observar em si mesmo, e como saber quando é hora de buscar ajuda?
C.M.R.: A negligência para com o próprio estado emocional, com o próprio sofrimento mental, pode trazer consequências muito danosas para indivíduos, famílias e congregações. Por isso, é muito importante que os pastores conheçam bem a si mesmos e observem possíveis mudanças que venham a surgir com o tempo.
Algumas variações podem ser sinais de algum sofrimento importante. Por exemplo, falta de capacidade de concentração, baixa autoestima, desesperança total quanto ao futuro, sensação de ter pouca energia e distúrbios do sono podem ser sintomas de depressão. Se o pastor percebe algum desses traços se manifestando em si, e enfrenta uma tristeza prolongada por dias, é importantíssimo que busque ajuda. Maior irritabilidade, pensamento acelerado e um ímpeto de falar excessivamente podem ser indícios de um distúrbio bipolar. Receio excessivo em situações sociais, ataques de pânico e preocupação exagerada podem ser sintomas associados a transtornos de ansiedade.
Reconhecer o valor desses sinais e de tantos outros é importante não para que o pastor faça um autodiagnóstico. Não é isso! O bom é quando a própria pessoa percebe alguns desses indícios e toma uma atitude. Em muitos casos, claro, pode ser que uma pessoa próxima ajude nessa percepção. Um familiar, amigo, colega ou membro da igreja pode conversar com o pastor sobre mudanças em seu comportamento, sugerindo atenção e, em caso de necessidade, a procura por ajuda especializada.
Além disso, o autoconhecimento e a atenção a pequenas mudanças em seu estado mental podem ser importantes em estágios iniciais. Atento a mudanças em si mesmo, o pastor pode perceber logo que há algo nocivo em sua rotina. Assim, até mesmo antes de precisar de uma ajuda profissional, pode, em diálogo com família e congregação, fazer ajustes importantes em suas atividades, para que a situação não se torne insustentável e seu estado mental se complique. É bom lembrar que não podemos ser prisioneiros da rotina que criamos ou aceitamos uma vez para nós. Sempre é possível fazer alguma reconsideração, uma mudança de rumo.
G.: Qual a relevância da espiritualidade para o pastor que percebe em si alguns sinais de sofrimento mental?
C.M.R.: Em todas as circunstâncias aqui discutidas, é certamente importante que o pastor – como toda pessoa cristã – viva sua vida de devoção, orando a Deus e meditando em sua Palavra, inclusive para ter a sabedoria e a força necessárias para os muitos desafios implicados no processo de mudança, de quebra de preconceitos para com os recursos disponíveis e busca de equilíbrio. E quem está ao redor (seja família, congregação ou colegas de ministério) também encontrará na leitura e vivência da Palavra de Deus o direcionamento e amadurecimento imprescindíveis, para que possam ser bênção e não pedra de tropeço para a pessoa carente de apoio na caminhada.
Estou bem certo de que o próprio Cristo nos ajuda nessa jornada. O Senhor faz dessa sua grande Comunidade caminhante – chamada Igreja – um meio de edificação, cuidado e amor. Poder fazer parte disso é um privilégio para cada um de nós, membros e pastores, que fomos chamados ao serviço, para a glória de Deus e para o bem do próximo.
Pastor Cesar Motta Rios durante ministração. (Foto: Arquivo pessoal)