Quase seis meses após deixar Gaza com 15 cristãos em busca de segurança no Egito, Issa Saliba ainda lembra com gratidão do momento em que cantaram, aplaudiram e dançaram durante a fuga.
O ar-condicionado do ônibus aliviou seus nervos tensos, e a primeira refeição completa, oferecida em uma parada à beira da estrada, trouxe conforto após a angustiante jornada até a fronteira.
Enquanto 1,9 milhão de palestinos – 90% da população de Gaza – permanecem deslocados internamente, 100.000 conseguiram se refugiar no Egito.
Saliba, autorizado a sair por estar matriculado na Universidade Americana de Madaba, na Jordânia, deixou para trás seu pai, dois irmãos mais novos e outros cristãos em Gaza.
Em abril, sua jornada incluiu uma viagem ao sul pela estrada costeira danificada, passando por postos de controle israelenses até a passagem de Rafah, seguida por uma viagem de seis horas até o Cairo.
Saliba conseguiu sair a tempo, pois em maio Israel assumiu o controle do Corredor Filadélfia de Rafah e fechou a fronteira, uma área crítica nas negociações atuais sobre um cessar-fogo.
Igreja egípcia
Desde o início da guerra Israel-Hamas, o Egito tem resistido a reassentar palestinos deslocados no Sinai, temendo infiltração terrorista e uma recusa permanente de Israel em permitir o retorno dos refugiados. A entrada é restrita a emergências médicas, capacidade financeira para taxas altas e conexões educacionais, como Saliba.
Os evangélicos estão se destacando por fornecer alimentos e suprimentos aos refugiados, cristãos e muçulmanos.
Em parceria com palestinos, a igreja egípcia tem enviado ajuda a Gaza, assistindo tanto os crentes em igrejas quanto outros deslocados em acampamentos improvisados.
“Mostramos o amor de Deus a todos”, disse Samuel Adel, presidente do conselho pastoral, evangelístico e missionário da Igreja Evangélica Presbiteriana do Egito, também chamado de Sínodo do Nilo.
“Quando as pessoas perguntam por que, dizemos que vem do nosso amor por Jesus.”
Logo após o início da guerra Israel-Hamas em 7 de outubro, a ajuda aos refugiados foi iniciada sob a liderança de Hanna Maher, pastora presbiteriana egípcia e ex-líder da Igreja Batista de Gaza. Enquanto a maioria dos cristãos palestinos foi para o Cairo, os muçulmanos se estabeleceram em Arish e arredores.
O sínodo presbiteriano está ajudando com cestas básicas semanais para 50 famílias muçulmanas, fornecendo ventiladores para 20 famílias, e suprimentos domésticos essenciais, como geladeiras e máquinas de lavar, para sete famílias. Também foram doadas oito cadeiras de rodas a hospitais para auxiliar no transporte de feridos.
Foco de terrorismo
O Sinai foi um foco de terrorismo, com 100 famílias cristãs fugindo em 2017. No entanto, as atitudes de alguns muçulmanos mudaram.
O motorista muçulmano de Maher, impressionado pela ajuda da igreja, não cobra pelas corridas e compartilha com novas famílias que os cristãos estão vindo para ajudar.
E às vezes Maher é convidado para uma discussão sobre quem culpar pela devastação de Gaza – Israel ou Hamas. Ele responde com o que Jesus disse no Evangelho de João sobre um homem que nasceu cego. Quando perguntado se o pecado que causou a cegueira veio do homem ou de seus pais, Jesus respondeu: “nenhum dos dois”; a cegueira era para que “as obras de Deus pudessem ser manifestadas nele” (9:3).
Mas Maher luta para saber como aconselhar ainda mais os deslocados de Gaza.
“Oramos pela paz, mas não sei o que dizer sobre esta guerra terrível”, disse ele. “‘Deus está conosco’, eu digo a eles – mas é difícil; Eu não tenho uma resposta além dessa verdade.”
Esforços humanitários cristãos
O governo egípcio permite esforços humanitários cristãos, mas a presença de refugiados é politicamente sensível.
Os líderes egípcios lembram que palestinos que fugiram para Jordânia, Líbano e Síria nas guerras de 1948 e 1967 nunca retornaram. Por isso, rejeitam o assentamento permanente de refugiados de Gaza no Egito. Israel também não aceitará deslocados em seu território.
Desde 2007, Israel e Egito impuseram um bloqueio a Gaza. Embora o Egito tenha destruído milhares de túneis de contrabando, Israel continua vinculando o controle de Rafah às negociações de cessar-fogo.
Além das preocupações políticas e de segurança, as necessidades humanitárias dos deslocados não são atendidas oficialmente pelos refugiados das Nações Unidas. No entanto, a assistência está disponível por meio de igrejas, iniciativas locais e outras agências da ONU.
‘Cristãos que se importam’
Em Gaza, a ajuda é mais desafiadora. Neste verão, cristãos egípcios, em parceria com a Missão Cristã para Gaza (CMG), forneceram refeições a mais de 15.000 muçulmanos em Deir al-Balah, Khan Younis, Jabaliya e no bairro de Remal, na Cidade de Gaza.
Os moradores enfrentaram longas filas para receber arroz, muitas vezes aquecido em fogueiras improvisadas, além de vegetais enlatados e ocasionalmente frango.
Durante a última distribuição, crianças sorriram ao receber comida embrulhada em papel alumínio, enquanto mulheres de preto com lenços estendiam as mãos pelas aberturas das tendas.
Hanna Massad, ex-pastora da igreja batista de Gaza e fundadora do CMG, viu sua casa em Remal destruída por um míssil. Ela busca mostrar aos moradores de Gaza que cristãos externos se preocupam e ajudam.
“Saibam que há cristãos que se importam – e os estão ajudando”, diz.
Pão e água
O CMG distribuiu pão e água limpa em várias áreas, com placas indicando apoio da Igreja Batista de Gaza e da Igreja Presbiteriana do Egito. Muitos muçulmanos agradeceram e alguns até expressaram interesse em aprender mais sobre a fé cristã.
“As pessoas em Gaza começaram a ver a verdadeira luz, mas precisam de orientação”, disse ele. “Então, oro para que a situação aqui mude depois desta guerra e que haja um espaço para trabalhar livremente com essas pessoas.”
Aproximadamente 200 dos 1.000 cristãos de Gaza fugiram para o Egito, com muitos já obtendo vistos para a Austrália e mais esperando para emigrar. Enquanto isso, Saliba, em Cairo, ora pelos cristãos que permanecem em Gaza.
“Agradeço a Deus por ter conseguido deixar Gaza”, disse ele. “Jesus estava comigo a cada passo do caminho. Agora eu só quero que minha família se junte a mim.”